Este
espaço já foi mato, mato de caçar passarinho com
estilingue, correr solto atrás de cachorro, pipa e balão.
A cidade foi crescendo e estrangulou o córrego que já
nem era tão limpo, mas aonde a garça ainda podia comer,
o cachorro beber e a criança nadar. Veio o loteamento que
trouxe consigo a favela que amarrou um barraco no outro e esganou o
curso d água. A favela cresceu, a cidade cresceu e a ganância
cresceu até que o Prefeito deitou os zóio naquilo tudo
e varreu a favela dali com asfalto. Descobriu-se todo um mundo novo,
de atravessar de um lado ao outro do vale, cruzando o córrego
ora para lá ora para cá. Com a avenida sobrou uma
pracinha aqui, uma pracinha ali, um cachorrinho na coleira aqui, outo
ali, um namoro ou outro, a vida. Mas havia vida. Cadê a vida
que tava aqui? Prometeram casa e coisa e tal. O beco virou avenida.
A velocidade mudou de 2km por hora para 80km. Não se brinca
mais de bola nem tem mais o varal ou o pagode. Espalhou como num
vendaval. Colocaram enormes postes e vigas a dividir a paisagem.
Antes a favela, agora a viga de concreto. Antes se virava de costas,
dava-se a volta e a favela deixava de existir. Vez por outra insistia
em se mostrar mandando um seu representante para a beira do asfalto a
pedir esmolas ou a exigir opróbios de arma na mão.
Agora não, o obstáculo está lá, visual,
sem te impedir a passagem, incomodando a paisagem, ali, no canto do
olho, até que você acostume. A-cos-tu-me. Acostume até
a usar. Ache útil e nem repare que deixaram de dar manutenção,
que trincou, esverdeou, rachou, descolou, remendaram ou esqueceram de
limpar. Não tem mais passarinho, não tem mais pipa nem
balão ou garça. Não tem mais graça.
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